Bem me quer
Tuesday, September 30, 2003
  O mundo está repleto de coisas belas, contudo é muito pobre de belos
momentos reveladores dessas mesmas coisas. Mas talvez seja este o maior
fascínio da vida: paira sobre ela um véu de belas possibilidades tecido a
ouro, cheio de promessas, resistências, pudores, desdens, compaixão,
sedução. Sim, a vida é uma mulher!

Nietzsche, A Gaia Ciência, p.243. 
Diz de tua justiça:

  A Amélia queria ser peixeira mas acabou por escrever um blogue. E ainda bem!  
Diz de tua justiça:

  Sinto o mesmo:

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

 
Diz de tua justiça:

Friday, September 26, 2003
  E aqui:


Há algo de fascinante e terrivelmente angustiante no uivar de uma sirene.

Caminha-se pelas ruas da cidade e eis que ao longe se ouve o estridor, o alarido. Pelo som adivinha-se a urgência: é o INEM. Segundos mais tarde, o efeito Doppler traz a sirene até nós, junto com um utilitário azul e branco.

Vem lancinante, urgente, num grito que rasga momentâneamente o tecido mole e corriqueiro das vidas citadinas que atravessa, veloz. E, como veio, assim se vai, cada vez mais longínqua. Atrás de si deixa apenas o trânsito que se reorganiza no caos do costume e a dúvida, efémera: será atropelamento, uma overdose, um acidente, um velho que vergou finalmente à lei da vida ou um AVC fulminante, traiçoeiro a interromper a linha de uma vida anónima?

Algures na cidade, enquanto caminhamos e esquecemos, alguém sofre, alguém sangra, alguém se esvai no grande mistério da morte. Algures na cidade, um pai, um filho, uma mãe, um marido, anda às voltas com a vida e desconhece que a dor vem célere ao seu encontro, ignora que estará, hoje, mais sozinho.

E a cidade não pára. É a vida. 
Diz de tua justiça:

  Aqui:

Circulamos pela cidade. 2 e meia da manhã. A tua mão no meu joelho. Eu sei o que queres de mim. O que sempre quiseste. Mas estou cansada hoje. Sem vontade de te sentir arfar em cima de mim. A tua mão debaixo da minha saia. A música da rádio está a irritar-me um bocadinho. Era capaz de te amar se não tivesse tanto sono. Há anos que tenho este sono estúpido. Podias entrar por mim agora que eu nem gemia. Uma noite destas sonhei que era um homem. Mijava contra uma parede e o meu pénis enchia-se de formigas. 2 e 45 da manhã. Podia parar para te explicar que não me apetece. Iria demorar horas e não compreenderias.
-Não quero a tua mão aí!
Olhas para mim e sorris. Voltas a magoar-me. Pensas que me estou a fazer de difícil. Não percebeste nada.
-Já te disse que não.
E ris... estúpido filho-da-puta. Os faróis estão na minha direcção e não sei porquê decido não me desviar.
 
Diz de tua justiça:

  Obrigada pelos votos de sucesso. Conto que depressa arranjes um marido que não se importe com o teu bigode. LOL. 
Diz de tua justiça:

Tuesday, September 23, 2003
  E um olhar perdido é tão difícil de encontar
como o é congregar ventos dispersos pelo mar


Ruy Belo  
Diz de tua justiça:

  Descobre-se, finalmente, a careca ao Desejo Casar. O que eles querem, mesmo, é aquilo que o Alexandre inveja por empatia ao Ricardo Rocha: sacar muitas gajas! 
Diz de tua justiça:

Saturday, September 13, 2003
  O amor não é para os amantes, é para os amados.
Não é para os solteiros, é para os casados, não é para os casos, é para os namorados.
O amor não quer saber de tempo nem de dinheiro, de vantagens nem de inconvenientes, de compromissos nem de trocas, porque basta-se a si mesmo, não mede prós nem contras, não faz contas nem se arrepende.
O amor vive de se dar e se multiplicar, e é essa a sua maior riqueza.
O amor a sério entre duas pessoas é como um cofre sem nada lá dentro, que se esvazia todos os dias e depois s volta a encher, sem medo de ladrões nem de assaltos, porque é protegido por si próprio. Ninguém lhe sabe dar o verdadeiro valor, porque o amor não tem preço e por isso não se pode roubar.
 
Diz de tua justiça:

Friday, September 12, 2003
  Estou farta de gente estúpida! Quem disse que Portugal era um país do terceiro mundo sabia bem o tipo de pessoas que nele habita!  
Diz de tua justiça:

Tuesday, September 09, 2003
  E disto, que não é mais do que um excerto, afinal:

Este é o meu blog. Meu. Escrevo nele sobre a espuma dos meus dias. Espero que ninguém o leia, a não ser aqueles que conheço e que me amam e que, por isso, comprendem os desvarios sentimentais e semi-depressivos da mulher que sou.
 
Diz de tua justiça:

  Gosto disto:

Eu queria apenas deitar-me contigo, percebes?
Não era preciso ir para muito longe daqui... Deitar-me contigo, apenas. E sentir-me respirar baixinho na tua nuca.
Abre-me, gritavas.
E eu a respirar baixinho na tua nuca.
Deitar-me contigo. Apenas.
O motel ao fim da rua é limpo. Não precisas ter vergonha, podes gritar que ninguém vai ouvir. Pelo menos não vão ligar. As palavras ali não têm significado. Mas tu dizes que não, olhas para mim em tom de adeus, por mim podes bater uma, não tenho medo de ti.
Eu só queria deitar-me contigo, percebes? E devias ter medo. Mas não de mim, que seria incapaz de te magoar. Dava um braço para respirar baixinho na tua nuca.
À merda, penso, enquanto te empurro para dentro do carro. 
Diz de tua justiça:

Monday, September 08, 2003
  E, tendo em conta o engano do post anterior, nada mais apropriado do que isto:


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen
 
Diz de tua justiça:

Friday, September 05, 2003
  Fantástico, este jogo de palavras:


As palavras
Estas são as palavras que te queria dizer.
Estas palavras são as palavras que não te disse mas que te queria dizer.
Estas palavras são as palavras possíveis de serem ditas de entre todas aquelas que eu te queria dizer.
Estas palavras são palavras que nada dizem.
Estas palavras são palavras, apenas.
Estas palavras são palavras que nada te dizem.
Estas não são, definitivamente, as palavras que te queria dizer.
São apenas palavras. As palavras que te queria dizer e não disse. 
Diz de tua justiça:

  Não consigo inserir fotografias aqui, deste lado... quem me ajuda? 
Diz de tua justiça:

  Lido, em silêncio, aqui:

Hoje
Quero parar de viver. Dissolver-me me. Ficar quieta a espera de uma onda que me leve e que de preferencia nao me traga de volta a isto.
Ao frio, ao vazio, ao medo de ser sempre assim. Hoje, só por hoje, queria parar. Deixar o mundo, as pessoas, deixar-me a mim mesma numa leve cadencia de abandono. Desaparecer. Sumir-me. Dissolver-me. Em qualquer lugar. Menos aqui. 
Diz de tua justiça:

Thursday, September 04, 2003
  Gosto das peripécias dela
Diz de tua justiça:

  E depois, encontram-se energúmenos destes....  
Diz de tua justiça:

  Um dia, António Patrício escreveu:

Viver é ir morrendo a beijar a luz




Como eu concordo, Meu Deus........ 
Diz de tua justiça:

  É dificil saber descrever assim tão aquela nossa parte da nossa anatomia... :D


Sei os teus seios.
Sei-os de cor.

Para a frente, para cima,
Despontam, alegres, os teus seios.

Vitoriosos já,
Mas não ainda triunfais.

Quem comparou os seios que são teus
(Banal imagem) a colinas!

Com donaire avançam os teus seios,
Ó minha embarcação!

Porque não há
Padarias que em vez de pão nos dêem seios
Logo p'la manhã?

Quantas vezes
Interrogastes, ao espelho, os seios?

Tão tolos os teus seios! Toda a noite
Com inveja um do outro, toda a santa
Noite!

Quantos seios ficaram por amar?

Seios pasmados, seios lorpas, seios
Como barrigas de glutões!

Seios decrépitos e no entanto belos
Como o que já viveu e fez viver!

Seios inacessíveis e tão altos
Como um orgulho que há-de rebentar
Em deseperadas, quarentonas lágrimas...

Seios fortes como os da Liberdade
-Delacroix-guiando o Povo.

Seios que vão à escola p'ra de lá saírem
Direitinhos p'ra casa...

Seios que deram o bom leite da vida
A vorazes filhos alheios!

Diz-se rijo dum seio que, vencido,
Acaba por vencer...

O amor excessivo dum poeta:
"E hei-de mandar fazer um almanaque
da pele encadernado do teu seio"

Retirar-me para uns seios que me esperam
Há tantos anos, fielmente, na província!

Arrulho de pequenos seios
No peitoril de uma janela
Aberta sobre a vida.

Botas, botirrafas
Pisando tudo, até os seios
Em que o amor se exalta e robustece!

Seios adivinhados, entrevistos,
Jamais possuídos, sempre desejados!

"Oculta, pois, oculta esses objectos
Altares onde fazem sacrifícios
Quantos os vêem com olhos indiscretos"

Raimundo Lúlio, a mulher casada
Que cortejastes, que perseguistes
Até entrares, a cavalo, p'la igreja
Onde fora rezar,
Mudou-te a vida quando te mostrou
("É isto que amas?")
De repente a podridão do seio.

Raparigas dos limões a oferecerem
Fruta mais atrevida: inesperados seios...

Uma roda de velhos seios despeitados,
Rabujando,
A pretexto de chá...

Engolfo-me num seio até perder
Memória de quem sou...

Quantos seios devorou a guerra, quantos,
Depressa ou devagar, roubou à vida,
À alegria, ao amor e às gulosas
Bocas dos miúdos!

Pouso a cabeça no teu seio
E nenhum desejo me estremece a carne.

Vejo os teus seios, absortos
Sobre um pequeno ser

Alexandre O'Neill

 
Diz de tua justiça:

  Lido aqui:

ESCREVER ACORDADO

Às vezes, é como uma frase musical; um tom de história. Sabe-se que bastava sentar naquele instante para ter a possibilidade de agarrar aquele fragmento de escrita... Mas, depois o olhar distrai-se com outra coisa qualquer, alguém chama da cozinha, um carro de bombeiros atroa a rua... E tudo desapareceu. Voltou de novo para o limbo. Para o sítio das neves. Para o grande depósito dos relatos por fazer...  
Diz de tua justiça:

Tuesday, September 02, 2003
  Ou este, genial, do Bertold Brecht:

Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem

Verdadeiramente genial, não concordam? Até nos faz esquecer o lado mais escatológico do poeta.

 
Diz de tua justiça:

  Eu não voltarei. E a noite
morna, serena, calada,
adormecerá tudo, sob
sua lua solitária.
Meu corpo estará ausente,
e pela janela alta
entrará a brisa fresca
a perguntar por minha alma.

Ignoro se alguém me aguarda
de ausência tão prolongada,
ou beija a minha lembrança
entre carícias e lágrimas.

Mas haverá estrelas, flores
e suspiros e esperanças,
e amor nas alamedas,
sob a sombra das ramagens.

E tocará esse piano
como nesta noite plácida,
não havendo quem o escute,
a pensar, nesta varanda.


Juan Ramón Jiménez

 
Diz de tua justiça:

  E deixo aqui um Obrigado ao Rui Gil, do Ozono, pela sugestão do poema aleatório.

 
Diz de tua justiça:

  Acho que já tenho o sistema dos comentários inserido. Aproveitem! 
Diz de tua justiça:

Monday, September 01, 2003
  Do Luís Nava, o poeta verdadeiramente assassinado:


Teatro


Na selva dos meus órgãos, sobre a qual foi desde sempre a pele o
firmamento, ao coração coube o papel de rei da criação. Ignoro de que
peça é todo este meu corpo a encenação perversa, onde se vê o sangue
rebentar contra os rochedos. Do inferno,aonde às vezes o sol vai buscar
as chamas, sobre ele impediosamente jorram os projectores.

in Rebentação
Poesia Completa 1979-1994


 
Diz de tua justiça:

  E aqui, No Arame, textos fantásticos. Temos Escritor!

VII

num barco encalhado
na espuma do mar
num silêncio furtado
na pressa de um olhar
a tua boca é abrigo
o teu peito um farol

és campo de trigo
amadurecido ao Sol.


 
Diz de tua justiça:

  Dei uma volta pelos blogs. E descobri coisas muito, muito boas. Por exemplo, no Tempo Dual:

Do outro lado da cortina:

as nuvens e o azul, o balouçar
dos braços mais altos das árvores,
um cabo onde nenhum pássaro
perde o voo.

Tão transparentes
as paredes da solidão.


e no Rain Song:

25 de Abril... estou a repetir a data, eu sei.

aprendi esta data como um sinal de esperança contra a opressão, pela Liberdade possível.

(silêncio breve e comecem as canções)



e no outro lado da lua:

[fragmento #10]

não sei ao que vim. sei que cheguei de madrugada, gelada e sem bolsos onde abrigar as mãos. fiquei ao relento até amanhecer e o sol me aquecer devagarinho. embalei-me com o som do mar a bater na areia, com a promessa de um dia melhor. fiquei em silêncio. chegaste cedo, disseste quando me viste. não respondi. olhei-te e sorri. sentaste-te a meu lado, abraçaste os joelhos e assentaste neles o queixo. e depois ficaste ali, tão gelado quanto eu, a deixar o sol entrar. estamos juntos nesta praia de que desconhecemos o nome, mas onde o sol nos aquece devagar, se esperamos até ele nascer.
 
Diz de tua justiça:

  Sempre gostei do dramatismo deste poeta:

Octubre 1967

Con emoción escribimos un nombre
en el crepúsculo. Se trata
de un combatiente, una conciencia
sublevada, al acecho,
que, si refleja el mundo, a un tiempo crea
su propia encrucijada.

A partir de este acto solidario,
no nos salvamos por la gracia
sino por la creación, no somos viles
sino dignos,
y al abandono de la noche triste
sucederá la aurora compartida,
nunca la soledad.
No hay mejor causa que la historia humana
jugada a vida o muerte, a cualquier precio.

El hombre, el nombre escrito en el crepúsculo,
ha caído, y parece
que se detienen todos los procesos,
pensamos que la vida se interrumpe,
que no hay tiempo de nada, que es difícil
resolver tanto azar, tanto conflicto.
Pero la historia no termina: queda abierta
una ventana al mar de lo posible.
Ser hombre significa desde ahora
ser guerrillero de la libertad.

Carlos Sahagún
De Estar contigo (León, Colección Provincia, 1973) 
Diz de tua justiça:

Poemas Teoremas Problemas

sonia.lemos@netcabo.pt


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